O homicídio é um delito natural por
excelência, pelo fato de tutelar a fonte de todos os interesses e
direitos,
qual seja, a vida humana extra-uterina (homo sapiens sapiens).
Uma das teses que amiúde desperta debates acalorados no
Tribunal do Júri entre acusação e defesa é a do homicídio emocional (homicidium
ex violentia emovere), que consiste em uma causa especial de
diminuição de pena, também denominado homicídio privilegiado.
A figura do homicídio emocional tem assento no §1º do
artigo 121 do Código Penal. É o caso em que o agente comete o crime sob o
domínio de violenta emoção, logo em seguida à injusta provocação da
vítima.
São, pois, os requisitos desse crime: a) provocação
injusta da vítima; b) dominação por violenta emoção; e c) reação
imediata.
Em decorrência disso, estar-se-á diante da figura do
homicídio emocional, no caso em que o agente atua movido por
incontrolável
instinto de agressão, decorrente de dominação emocional súbita e intensa
(emoção-choque),
que o faz reagir sine intervallo à provocação sem justificativa
razoável da vítima (leia-se: atitude desafiadora, consubstanciada em
ofensa,
ato de desprezo, insinuação, humilhação, zombaria, reticência, exercício
abusivo de direito etc.), matando-a.
Assim, estar sob o domínio de violenta emoção equivale a
uma tempestade mental que aniquila a capacidade de raciocinar e de se
conter, ou
seja, é a privação momentânea dos sentidos (vulgo "perder a
cabeça"). É um tornado, uma chuva torrencial, que devasta o psíquico
humano.
É fácil de ver que não basta ao agente estar emocionado,
irritado, raivoso, investido de mera perturbação emocional (emoção
comum) ou
simples exaltação dos sentidos, mas dominado pela emoção (choque
emocional),
desequilibrado psiquicamente, em que a consciência reflexiva e o
autocontrole
sejam anulados por força da injusta provocação da vítima.
A título de ilustração, são os casos em que um cônjuge
flagra o outro em estado de adultério ou o pai que recebe a notícia de
que a
filha acabara de ser estuprada. Assim, não aproveita do privilégio
aquele que
reage friamente, emocionado, em razão de dissabores sociais ou
discussões
banais. Não se pode confundir violenta emoção com vingança, que advém do
ódio não esquecido, do rancor latente ou do aborrecimento concentrado.
Deve
haver, por consequência, necessária proporcionalidade entre a provocação
e a
emoção dominante da ação criminosa.
Não bastasse isso, a reação à injusta provocação da
vítima deve ser logo depois, de pronto, sem intervalo,
imediatamente,
incontinenti, instantaneamente, isto é, ex improviso. Melhor
dizendo, é
a sucessão imediata entre a provocação e a reação, ou seja, é a presença
do binômio ataque-revide. Neste contexto, não se pode conferir à
expressão logo
depois qualquer extensão, sob pena de frustrar o conteúdo do
instituto.
Por isso, não há que se falar em homicídio privilegiado nos casos em que
o
agente colhe a vítima minutos depois da injusta provocação ou que se
arma e
sai em seu encalço ou que premedita o crime.
O legislador foi sábio: enalteceu o direito à vida ao
prever a influência de violenta emoção como mera circunstância
atenuante (artigo 65, III, "c", do Código Penal), reservando a causa
de diminuição de pena do homicídio emocional para casos excepcionais, já
que
há patente diferença entre estar dominado pela violenta emoção e
estar influenciado de violenta emoção.
Concluindo, a vida como bem mais caro do ser humano merece
a
máxima proteção do Estado e da sociedade, só podendo ser minimizada ou
infirmada em casos excepcionalíssimos, respeitando-se, por conseguinte e
rigorosamente, os requisitos legais, sem elastérios, interpretando-os de
forma
restritiva. Portanto, não se pode banalizar ou flexibilizar a aplicação
de
institutos jurídicos que têm o condão de excluírem, atenuarem ou
minorarem a
responsabilidade penal daquele que desrespeitou a vida humana, sob pena
de
desproteger esse superdireito, o alfa e o ômega dos demais direitos.
Escrito por:
César Danilo Ribeiro de Novais
Promotor de Justiça do Mato Grosso
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